nº 82: O Contraditório …

Caros amigos / leitores,

À medida que se aproximam as eleições, os acontecimentos políticos, por vezes de gravidade,  tendem a suceder-se mais rapidamente. De 45 dias para cá temos bons exemplos de eventos  marcantes. Mencione-se, em primeiro lugar, o lançamento de agrotóxico misturado com urina e fezes,  a partir de drone, sobre os participantes de comício a favor de Lula, em Uberlândia (dia 15 de junho), Sucedeu-se, no dia 7 de julho,  a explosão de uma bomba caseira com fezes  na Cinelândia (RJ), também em comício com a presença do ex-presidente. Finaliza-se esta sucessão de violências com o fato mais grave: o assassinato, por razões políticas, dia 9 de julho. do guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, durante festa de seus 50 anos, em F oz do Iguaçu (PR). O assassino ingressou no recinto com xingamentos ao PT e gritos de “aqui é Bolsonaro”.

Ainda como acontecimentos mais destacados, cabe indicar o  encontro, no Palácio do Planalto,  de Bolsonaro com os embaixadores (dia 18), a vinda ao País do Secretário de Defesa norte-americano Lloyd Austin (dia 22) e o  lançamento da  candidatura de Bolsonaro à reeleição, no Maracanãzinho (dia 24).

Salienta-se que os atos de violência indicados, entre outros, levaram a Sociedade a um estágio de tensão e temor antes não alcançado (excetuado, talvez, o período anterior ao Sete de Setembro do ano anterior). De fato, às repetidas ameaças, começaram a suceder-se atos concretos, atingindo, em seu grau máximo, o assassinato premeditado de um partidário de Lula, durante festa de aniversário, em sua residência, por bolsonarista fanático. O uso de drone despejando detritos perigosos à saúde em manifestantes que participavam de comício a favor de Lula, em Uberlândia   e a explosão de bomba em outro comício também a favor de tal líder, no  Rio de Janeiro, três semanas após, representavam  um péssimo prognóstico. O que viria a seguir?

O que se sucedeu foi um completo vexame a nível internacional, proporcionado pelo presidente, que julgou de bom alvitre  convidar formalmente  o corpo diplomático para encontro  no Palácio do Planalto, ocasião em que criticou o Poder Judiciário  do País e tentou  convencer os embaixadores presentes (alguns, por motivos ideológicos não foram convidados, como o da Argentina!) que o sistema de urnas eletrônicas  em uso desde  1996, sem merecer qualquer crítica concreta, não merecia confiança.  A iniciativa foi classificada como ato inédito na diplomacia mundial; até então, nunca ocorrera um presidente convidar representantes de países estrangeiros para denegrir o seu próprio país! E, note-se, foi esse mesmo “sistema eleitoral corrupto” usando  urnas eletrônicas que possibilitou a eleição do próprio Bolsonaro  para a Câmara Municipal do Rio, para a Câmara de Deputados e para a presidência da República, bem como as eleições de dois filhos seus para a Câmara e o Senado! O ato ignominioso foi de tal monta que teve repercussão mundial e, em âmbito interno, representou virtual tiro no pé na campanha do “mito”.

Ainda ocorreu o lançamento de Bolsonaro à reeleição, no Maracanãzinho, parcialmente vazio. Com muita pompa e circunstância, o presidente e sua consorte adentraram o estádio de esportes após anunciados por conhecido  animador de rodeios, Sonoplastia caprichada lança ao ar acordes de tensão nos momentos mais “expressivos” do discurso do  candidato à reeleição ou de  suspense quando ocorrem as manifestações a favor de um golpe de estado ou  convites para participação nas cerimônias do próximo Sete de Setembro quando, “pela última vez estaremos todos reunidos”…

Deve-se a Isaac Newton o enunciado da lei da Física segundo a qual a toda ação corresponde uma reação igual e de sentido contrário. E não é que a lei do genial  físico inglês também encontra sua aplicação na  política!?  Mas com um diferencial: ainda não chegamos a ter, por aqui,  a reação completa devida ao conjunto da obra, uma grande série de desmandos, de irregularidades, por vezes até de atos criminosos  cometida pelo primeiro mandatário em seus quatro anos de governo, infelizmente ainda inconclusos…

A sucessão de tais  desatinos e ameaças leva finalmente a  Sociedade brasileira a mobilizar-se. Em rápida sequência, sucedem-se atos de repúdio a Bolsonaro e a sua reeleição. Animam-se as próprias instituições democráticas, sistematicamente atacadas e que, até então, com as notáveis exceções do STF e do TSE, vinham adotando  apenas débeis reações de  repúdio aos atos fascistas e desequilibrados. A chamada “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, redigida  na Faculdade de Direito da USP, alcançou em poucos  dias mais de setecentos e quarenta mil assinaturas, que não cessam de aumentar. A Carta será lida pelo ex-ministro do Supremo Celso de Mello no dia 11 de agosto próximo, quando se  comemora o Dia do Estudante. Outra carta, desta feita sob responsabilidade da Fiesp e que já conta com o registro de mais de 100 entidades empresariais, sindicais, sociais, de meio ambiente e até científica, estará sendo  sendo divulgada, amanhã.. Os signatários englobam mais de metade do PIB nacional.

Parece ser o início do fim de Bolsonaro!

Muito tenho pensado sobre a tal  “inercia” social a que me referi contra os desmandos de Bolsonaro, que vigia até há pouco tempo. A que se deveu ela? Não tenho formação para aventurar-me nesse campo. Mas animo-me a opinar que a  prolongada quarentena forçada pela Covid e as decorrentes mudanças sociais e pessoais profundas deve ter tido influência. Outro fator que deve ter contribuído  foi  o desalento e estado de confusão mental de massa considerável da população que evoluiu, aos poucos, da adesão a Bolsonaro até a completa desilusão com o ex-capitão. Não esquecer que, em termos apenas porcentuais,  enquanto Bolsonaro tinha cerca de 55% do eleitorado à época do segundo turno de 2018, apenas cerca de 29% o seguem na atualidade (Datafolha, 28 JUL),. E, finalmente, não deve ser ignorado o fator “medo” inspirado pelo radicalismo boçalnariano …

‎A propósito da porcentagem de brasileiros que ainda votam em Bolsonaro, o fato também é motivo de muita reflexão que faço: como pessoas que reconheço, de boa formação e inteligentes, inclusive pessoas próximas de minha própria família, malgré tout ainda continuam declarando-se bolsonaristas? ‎

Em suma, acho que a população brasileira ora ultrapassa uma fase em que se encontrava  algo aturdida, algo desorientada e meio amedrontada. 

   

Ao final, assinale-se outro fator importante da reação newtoniana: a reiterada e clara posição norte-americana contrária ao pretendido golpe. (A  propósito, consultar o Desmonte nº 81,  onde o assunto já é mencionado). Tal postura ficou ainda mais evidente com a visita ao País do  secretário de Defesa norte-americano, com o nítido propósito (embora não exclusivo) de dar um recado aos nossos militares mais “esquecidos” dos ditames constitucionais. Não sou dos que admitem e chegam a entusiasmar-se  com a (por vezes clara) atuação  dos EEUU em nossa política interna, muito mais em defesa de seus interesses, diga-se,  do que da Democracia. Mas há que reconhecer que, no caso, de modo devido, a indicação americana  foi muito bem-vinda.

Pelas últimas notícias, Bolsonaro estaria atravessando uma fase de desespero emocional, muito preocupado com a possibilidade de sua prisão, caso não seja reeleito, com rompantes que chegam a assustar os  mais próximos. Sua declaração de que, caso a polícia venha bater à sua porta para executar uma ordem de prisão, ele  irá atirar “para matar, mas ninguém [o] leva preso. Prefiro morrer” é significativa. Certos acontecimentos estão a indicar, de fato, uma grande preocupação do presidente com o seu futuro: é o caso da articulação, por deputados bolsonaristas, de uma PEC visando a criação da figura  de senador biônico para os ex-presidentes; é também a intenção de estabelecer entendimentos com o TSE visando algum tipo de salvaguarda para si e seus filhos em troca do compromisso de não mais tumultuar a realização das eleições. A última alternativa chega a ser risível .

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 Mas, atenção!, ele continua, em paralelo, a golpear as instituições, as urnas e a eleição, sendo a iniciativa mais gritante e recente o deslocamento do próximo desfile de Sete de Setembro para a praia de Copacabana, forma de envolver as FFAA em seus interesses pessoais. E também existem os efeitos eleitorais dos benefícios advindos da “PEC kamikase”, também chamada de “PEC do desespero”, ainda não perfeitamente contabilizados …

Os acontecimentos indicados estão, no seu conjunto, a tornar  menos provável o autogolpe pretendido pelo ex-capitão, embora não o afaste de todo. Mas, a meu ver, continua muito presente a possibilidade de ocorrência de agitações e  arruaças localizadas.

No anexo,  fiz constar apenas algumas notícias julgadas de maior relevo que não tem diretamente a ver com os acontecimentos indicados neste texto, todos recentes e já amplamente divulgados.

Com mais esperança de chegarmos as eleições sem golpe e de que, já no primeiro turno, se possível, o Brasil dê uma clara demonstração de que prefere a Democracia à barbárie, segue o abraço, sempre cordial, do

Luiz Philippe da Costa Fernandes

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