Prezado Leitor
Acho que a leitura do livro poderá interessá-los. Viajei com o Renato Archer (então MCT) à Antártica, na companhia do ministro Henrique Saboia, na época titular da Marinha. Impressionei-me com a inteligência e a afabilidade do biografado. Abs
Transcrevo alguns trechos do artigo de Roberto Amaral publicado em Carta Capital em 19/08/2021 sob o título OPINIÃO • ROBERTO AMARAL
Um estadista da República submissa. Leia a íntegra em https://www.cartacapital.com.br/opiniao/um-estadista-da-republica-submissa/.
“Debruçado sobre nossa aventura entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o término da Guerra Fria, com o suicídio da URSS, Renato Archer deita luzes sobre a intimidade da república que frequentou como ator privilegiado (Depoimento Ed. Contraponto, 2006). É didático, por exemplo, no desvendar o papel de diplomatas e militares na política, e disserta sobre a adesão acrítica dos fardados, como corporação, aos projetos geopolíticos dos EUA, em detrimento dos nossos interesses como povo, nação e país. Trata-se, pois, de livro precioso cuja leitura ajuda a compreender a tragédia política de nossos dias.
Militar de carreira (foi para a reserva como capitão de fragata), secretário de governo no Maranhão, empresário, deputado federal, ministro das relações exteriores, adversário da ditadura, articulador da frente ampla (Juscelino, João Goulart e Carlos Lacerda, 1966), ministro da ciência e tecnologia no governo da nova república, ministro da previdência social, presidente da Embratel, típico filho da casa-grande, Renato Archer assume o papel de dissidente oligárquico, e se faz político na contramão dos interesses de sua origem de classe. Prócer de destaque no movimento nacionalista dos anos 50/60 do século passado, foi cassado e preso pela ditadura de seus pares. ”
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Juarez é o perdedor na lição da história, mas ao fim e ao cabo estava reduzida a pó a política de energia nuclear de Getúlio Vargas, concebida como instrumento de capacitação científica, tecnológica e, por fim, como instrumento fundamental para nossa industrialização, pensada como meio de nos levar à independência econômica, antessala da conquista da soberania. Dos tempos de Archer para cá o país avançou, domina o ciclo completo do enriquecimento do urânio e fabrica, com tecnologia própria, as ultracentrífugas que tentou importar da Alemanha nos anos 50. Mas o país permanece sem definição, sem clareza quanto ao que pretende, caminhando e recuando, “como envergonhado de sua tradição, credibilidade e competência nessa área estratégica.”
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“Para a grande maioria dos intérpretes, a preeminência ideológica dos EUA sobre os militares brasileiros, com as conhecidas e lamentáveis consequências na vida política, se acentuam após a Segunda Guerra Mundial. Filiado a esta linha, Renato Archer destaca a política do Pentágono impondo-se como fornecedor praticamente único de armamentos aos países periféricos, o que ensejava aos EUA tanto o domínio estratégico-político quanto a preeminência ideológica, ao tempo em que alimentava o complexo industrial militar denunciado por Dwight Eisenhower em seu famoso discurso de transmissão da presidência a John Kennedy. O mercado cativo dos países dependentes assegurava o funcionamento da máquina industrial e financiava as inovações exigidas pela corrida armamentista. “
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Citando o próprio Renato Archer:
“Um dia, o general Segadas Viana, ministro do Exército [na verdade, da Guerra, a nomenclatura de então] no gabinete Tancredo Neves [primeiro governo parlamentarista], me telefonou. Eu estava então interinamente no Ministério do Exterior. Ele me disse: ‘Ministro, o professor San Tiago Dantas [ministro das relações exteriores] quer fechar o meu ministério.’ Como? Fechar o ministério? Pergunto eu. ‘Ele deu uma entrevista ao jornal francês Le Monde, dizendo que o Brasil é um país não alinhado. E o Brasil é um país alinhado na luta contra o comunismo!’ Respondi: “País não alinhado, em nossa terminologia, é um país que não faz parte nem do Pacto de Varsóvia, nem do tratado do Atlântico Norte, do qual não podemos participar por motivos geográficos. Nós somos fatalmente não alinhados.’ ‘Não!’, respondeu o general: ‘Os americanos estão me dizendo que quem não é alinhado na luta contra o comunismo não vai receber armas. E nós somos a favor da luta contra o comunismo.’” (Pp. 86-7).a.
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“Archer observa que a política armamentista do grande império do norte, determinando a dependência estratégica e ideológica dos exércitos latino-americanos, levou os militares, independentemente de seus governos, a se reunir e a promover a padronização de doutrinas, equipamentos e procedimentos. É a fonte dos “pronunciamentos” militares, das intervenções, dos golpes de Estado e das ditaduras que afligiram o continente sul-americano.
Essa dependência ensejou o diálogo direto entre os militares dos diversos países da região, e a “cooperação” chegou a operar-se mesmo em confronto com decisões dos governos. Renato conta o episódio de um curso de doutrinação no Colégio Americano de Defesa (EUA), para o qual o Brasil foi “convidado” a enviar oficiais superiores e ainda pagar 10 milhões de dólares. O curso foi recusado pelo gabinete (era ainda o governo parlamentarista), inclusive com o voto dos ministros militares. Quando a decisão foi comunicada ao general-chefe do Estado Maior das Forças Armadas brasileiras, nossos militares já haviam viajado… O fato consumado ficou por isso mesmo, e assim pagávamos, e continuamos pagando, para formar nossos generais com uma visão política contrária aos nossos interesses.”
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O Ex Ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral finaliza
Limitei-me a pinçar fatos que me pareceram relevantes, quando, sob o neoliberalismo negacionista, a educação, a ciência e a tecnologia sofrem o mais ousado e duradouro ataque de que se tem notícia no país. A ofensiva é tanto mais grave quanto conta com a ação direta dos militares, que no passado tiveram papel decisivo em algumas das inovações mais significativas da história da ciência em nosso país, como a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, hoje condenado à inanição em face do corte drástico e permanente de seus recursos – o que, aliás, não é ainda o pior dos males, pois este é a planejada política predatória do governo negacionista, anti-ciência, anti-conhecimento, desmontando com desvelo e competência inusitada o sistema nacional de ciência e tecnologia, investindo contra a universidade pública, cortando bolsas de estudos, inviabilizando a pesquisa.”